Henrique Costa - Observatório do Direito à Comunicação 07.05.2009
A ONG Artigo 19 e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social protocolaram na última terça-feira (5) no Ministério Público Federal (MPF) representação alegando a inconstitucionalidade da concessão de outorgas de rádio e TV a parlamentares.
A expectativa das entidades é que o documento dê origem a uma Ação Civil Pública questionando a propriedade de empresas de radiodifusão por deputados e senadores a partir dos limites na Constituição Federal e do conflito de interesses que cerca a questão.A controvérsia em torno da exploração de serviços de rádio e TV por entes controlados por parlamentares voltou a ficar em evidência no início do mês de abril, quando a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou recomendação impedindo que parlamentares figurem como diretores, proprietários ou controladores de empresas exploradoras de serviços de radiodifusão. O documento acrescenta ainda que, verificada essa situação, a outorga ou renovação deva ser rejeitada.O texto ainda será avaliado pelo plenário da Casa. O prognóstico mais provável é a derrota da recomendação no plenário, já que cerca de 25% dos senadores detêm participação em entes que exploram concessões de radiodifusão. De qualquer forma, a denúncia publicada pela Folha de S. Paulo em fevereiro de que o presidente do Senado, José Sarney, em grampo legal da Polícia Federal, afirmara utilizar a concessão de TV que possui em São Luís do Maranhão para atacar seu adversário político, o ex-governador Jackson Lago, escancarou a utilização de outorgas para fins de disputa política e eleitoral.O artigo 54 da Constituição Federal declara explicitamente que deputados e senadores não podem, desde a expedição de seu diploma, “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” e, desde a posse, “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoas jurídicas de direito público, ou nela exercer função remunerada.”A realidade, como se sabe, é outra, com casos que vão desde a utilização da outorga para fins políticos pessoais até o inevitável conflito de interesses explícito na necessidade de legislar sobre outorgas e renovações quando se é o próprio interessado na questão. Estudo recente do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília mostrou que 37% dos membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara e 47% dos titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado são proprietários de empresas de radiodifusão ou têm parentes nesta situação.Minicom apela para interpretação dúbiaA interpretação do Ministério das Comunicações para o texto constitucional provoca indignação das entidades. Responsável pela fiscalização das outorgas, o órgão justifica-se relativizando o artigo 54. Em audiência pública realizada em abril de 2007, Marcelo Bechara, assessor jurídico do Ministério das Comunicações, apresentou a interpretação da pasta. “Esse dispositivo constitucional proíbe que tenham contratos com empresas prestadoras de serviço público, e não que sejam proprietários. Diz que eles não podem ser proprietários de empresas que tenham favores do Poder Público. O serviço de radiodifusão não é um favor, é um serviço público constitucionalmente outorgado.”João Brant, coordenador do Intervozes, afirma que a postura do Ministério das Comunicações se parece mais a de um advogado de defesa dos políticos concessionários. Para ele, uma interpretação simples da Constituição não deixa dúvidas sobre a restrição imposta aos parlamentares. “Ao contrário de defender essa inconstitucionalidade, o papel dele deveria ser zelar pelo interesse público e pela menor imbricação possível entre os poderes.” Além da explicação sui generis do Ministério das Comunicações, deputados e senadores também não podem ser proprietários de empresa que receba favor decorrente de contrato com empresa pública.No documento apresentado ao MPF, Intervozes e Artigo 19 afirmam a inconstitucionalidade da prática e esperam o questionamento judicial da interpretação do Ministério das Comunicações, bem como providências com relação à fiscalização ineficiente da pasta e o compromisso desta no aprimoramento do sistema de informações ao público sobre a propriedade e gestão das emissoras de rádio e TV. “Esperamos que essa representação ajude a fomentar o debate sobre a necessidade de enfrentar males como esse [outorgas ilegítimas a parlamentares] que impedem que a democracia brasileira se efetive plenamente”, completa Brant.
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